13 de novembro de 2010

O valor da beleza

Antes de falar do valor da beleza, deixe-me falar do quanto a beleza tem valor. Parece a mesma coisa, mas não é. Vejamos: Quantos negócios existem em torno da beleza? Livros e revistas especializados: têm de monte. Lojas, butiques: roupas e acessórios para você se sentir como? Salões de... Você já sabe. Clínicas de estética, um nome chique para a mesma coisa. Há médicos que a vendem – embora chamem de plástica. Cosméticos, cremes, hidratantes, sabonetes, xampus – produtos e mais produtos. Até iogurte que oferece a beleza como benefício, existe. Bilhões de dólares que giram em uma indústria que satisfaz uma das mais primitivas necessidades humanas. Primitivas? – Sim, claro. Ou você acha que as índias se pintavam somente para agradar aos deuses? Portanto, a beleza tem um valor muito grande – para o mundo dos negócios.
Mas há outros valores. E outras belezas. Talvez mais primitivos, talvez mais importantes.
Eram esses meus pensamentos no dia em que saí para passear com minha filha de 5 anos. Nessa idade, as meninas já têm uma percepção especial sobre beleza. Batons, maquiagens, tiaras, bolsas, entre outros itens, já fazem parte de suas vidas – são idéias impregnadas em suas mentes infantis. Pode ser por influência das mães, que desejam princesas em forma de filhas. (Quem disse que mulheres não competem e que só homens são combativos? A questão é que a batalha feminina é num campo subjetivo.) Pode ser por influência da mídia, do meio ambiente cultural, ou por uma questão primitiva e da natureza humana mesmo.
No dia do passeio, eu ainda estava sob o impacto de um diálogo que havia presenciado dias antes entre duas coleguinhas de minha filha: - Vá chamar Marília para brincar com a gente, disse uma. E a outra respondeu: - Eu não, ela é muito feia. Pronto, pensei, a beleza também é critério para selecionar ou excluir alguém de um grupo. Assim compreendo o porquê da expressão “Ditadura da Beleza”. Porém, seria isso justo? Eu sentia que precisava fazer algo que pudesse contribuir para a formação moral e de caráter de minha filha, dentro dos valores e princípios que prezo para se viver em sociedade. Valores e princípios devem ser ensinados sim: pelos pais, pela família, pela escola. Pois, somente assim é possível neutralizar a influência que entra por outros canais e que educa nossos filhos tão eficientemente, embora em sentido contrário ao que gostaríamos.
Fui falando com ela sobre beleza interior. Pessoas que podem se tornar bonitas por causa de gestos simples de educação, atenção, solidariedade. Ela ouvia. Eu prosseguia: todos têm um tipo de beleza. Nós precisamos mudar nosso olhar sobre as pessoas, percebê-las sobre outras dimensões e procurar a beleza oculta em cada ser humano. Às vezes, minha filha fazia ar de não me compreender. Mas eu insistia em educá-la. Então, Deus me deu uma mãozinha. Foi na entrada do shopping.
A funcionária que entrega o ticket do estacionamento era, conforme o padrão ditatorial imposto, feia. Cabelos crespos e mal penteados; nariz comprido e pontiagudo; uma boca desproporcional em um rosto oval; e um óculos mal escolhido, completavam o quadro. Entretanto, quando a cumprimentei educadamente, ela abriu um lindo sorriso. Percebendo a presença da minha filha, fez questão de olhar em seus olhos e dizer: – Boa noite, linda! Dito de forma tão doce como há tempos eu não ouvia. Minha filha agradeceu, desconcertada.
Eu estava em silêncio, procurando uma vaga. Minha filha parecia pensar em algo distante. De repente ela falou: – Papai, agora eu entendi o que você estava falando. Aquela moça do estacionamento é uma das mulheres mais bonitas que eu já conheci. Sua beleza interior é muito linda.
Em silêncio eu continuei pensando sobre o valor da beleza e como essa percepção poderia tornar o mundo inteiro mais belo. Pois, como diria o poeta: Beleza é fundamental.


17 de abril de 2006 
Jornal de Hoje e JH 1ª edição

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